Os esteroides anabolizantes androgênicos (EAA) são substâncias que, apesar de terem aplicações médicas legítimas, se tornaram amplamente conhecidas pelo seu uso não terapêutico no esporte e na estética corporal. Em torno dessas substâncias, existe uma complexa teia de questões legais, culturais e éticas, que variam conforme o país, a cultura local e os valores sociais.
Neste artigo, vamos explorar os aspectos legais e culturais do uso de esteroides anabolizantes, destacando como diferentes sociedades lidam com essas substâncias, como a legislação brasileira trata o tema, e quais os impactos da cultura do corpo, da mídia e do esporte sobre o comportamento dos usuários.
Aspectos legais: o que diz a lei sobre esteroides anabolizantes?
1. Brasil
No Brasil, os esteroides anabolizantes são classificados pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) como medicamentos de controle especial. Isso significa que:
• Só podem ser vendidos com receita médica do tipo “B”, que fica retida na farmácia;
• Seu uso sem prescrição ou o comércio ilegal é considerado crime contra a saúde pública (art. 273 do Código Penal).
A pena para quem fabricar, importar, vender ou distribuir anabolizantes sem autorização legal pode variar de 10 a 15 anos de prisão, além de multa — uma das penas mais severas do Código Penal brasileiro.
Apesar disso, existe um mercado paralelo bastante ativo, especialmente via internet e redes sociais, o que dificulta a fiscalização. Muitos usuários compram essas substâncias sem saber sua procedência, composição ou riscos reais.
2. Estados Unidos
Nos EUA, os esteroides são classificados como substâncias controladas da classe III, desde o Anabolic Steroid Control Act de 1990. Isso coloca os anabolizantes na mesma categoria de medicamentos como a morfina, com:
• Restrições severas à prescrição;
• Fiscalização por órgãos como a DEA (Drug Enforcement Administration).
A posse ilegal pode levar a penas de prisão e multas, além de sanções civis e administrativas em caso de envolvimento de atletas profissionais.
3. Outros países
• Canadá: a posse é legal, mas a venda é ilegal sem prescrição;
• Reino Unido: é permitido possuir para uso pessoal, mas o fornecimento é proibido;
• Austrália: esteroides são ilegais sem receita e podem ser confiscados na fronteira;
• Alemanha e França: uso pessoal é tolerado, mas a venda e o tráfico são fortemente punidos.
A legislação, portanto, varia amplamente, indo desde a tolerância até a criminalização severa.
Aspectos culturais: como a sociedade enxerga o uso de anabolizantes?
1. A cultura da performance e do corpo ideal
A sociedade contemporânea valoriza intensamente a imagem corporal, a juventude e o rendimento físico. Esse culto ao corpo perfeito é alimentado por:
• Redes sociais, com influenciadores fitness que exibem corpos esculturais;
• Publicidade, que associa músculos e magreza ao sucesso e à felicidade;
• Cultura de celebridades, que muitas vezes faz uso de recursos estéticos, inclusive hormonais, para manter a aparência.
Esse ambiente favorece o uso de esteroides como um atalho para atingir padrões estéticos inatingíveis naturalmente. O corpo “perfeito” se torna símbolo de status, autocontrole e disciplina, o que leva muitas pessoas a normalizarem ou glamourizarem o uso de anabolizantes.
2. Machismo, virilidade e masculinidade tóxica
Na cultura masculina, especialmente, o uso de esteroides está frequentemente associado à ideia de força, poder, virilidade e domínio. O corpo musculoso se torna uma expressão exagerada da masculinidade.
Esse fenômeno também está ligado à chamada masculinidade tóxica, que valoriza a agressividade, a competitividade e a aparência física em detrimento do cuidado com a saúde ou da sensibilidade emocional.
Homens que se sentem frágeis ou inseguros em relação ao próprio corpo podem recorrer aos esteroides como forma de “compensação”, mesmo que isso comprometa sua saúde.
3. Fisiculturismo e subculturas esportivas
No meio do fisiculturismo, o uso de anabolizantes é muitas vezes visto como uma ferramenta comum, ainda que não seja abertamente incentivado por federações. Existe uma subcultura que:
• Compartilha informações sobre “ciclos” e protocolos;
• Valoriza o conhecimento empírico e a experimentação;
• Banaliza os efeitos colaterais em nome da estética.
Esses grupos criam uma espécie de “código de honra”, onde o uso de esteroides é quase um rito de passagem para quem quer “crescer de verdade”.
4. Mídia e celebridades
Filmes, séries e até novelas ajudam a construir um imaginário coletivo em que corpos musculosos, definidos e perfeitos são idealizados. Celebridades que ganham músculos rapidamente para papéis de super-heróis, por exemplo, muitas vezes usam recursos hormonais, mesmo que não falem publicamente sobre isso.
Essa influência da mídia colabora para uma cultura de comparação e frustração, na qual pessoas comuns sentem-se pressionadas a atingir resultados irreais com base em corpos moldados por treinadores, nutricionistas, cirurgia e, sim, hormônios.
Contradições entre o discurso legal e a prática cultural
Existe um paradoxo entre a criminalização do uso e a aceitação cultural:
• Por um lado, o Estado proíbe, regula e pune quem comercializa ou usa anabolizantes fora do ambiente médico.
• Por outro lado, a cultura contemporânea exalta corpos “anabolizados”, e muitos ambientes (como academias, redes sociais e certos esportes) estimularam indiretamente esse uso.
Isso gera um cenário de hipocrisia social, onde o uso é reprimido legalmente, mas muitas vezes incentivado e até admirado socialmente.
Caminhos para o futuro: educação, regulamentação e ética
Diante desse panorama, algumas ações são essenciais:
• Educação preventiva nas escolas e academias, com foco nos riscos reais do uso indevido;
• Apoio psicológico para lidar com transtornos de imagem corporal;
• Regulamentação mais clara que diferencie o uso terapêutico do recreativo;
• Incentivo à ética esportiva, com testes antidoping e valorização do esporte limpo.
O debate precisa ser mais aberto e menos moralista, para que as pessoas possam tomar decisões informadas, seguras e com consciência das consequências.
Conclusão
O uso de esteroides anabolizantes está no cruzamento entre a lei, a cultura e a estética. Enquanto a legislação busca controlar e punir o uso indevido, a cultura contemporânea, paradoxalmente, glorifica os resultados que essas substâncias oferecem.
Compreender os aspectos legais e culturais é essencial para que possamos construir uma sociedade que valorize a saúde e o bem-estar acima da aparência ou do desempenho artificial. Mais do que proibir, é preciso educar, conscientizar e acolher quem busca soluções reais para seus objetivos físicos e emocionais.