O uso de esteroides anabolizantes androgênicos (EAA) tem sido amplamente discutido tanto no contexto esportivo quanto no médico, especialmente pelos seus efeitos colaterais físicos e comportamentais. Um dos aspectos mais polêmicos está relacionado à possível conexão entre esses compostos hormonais e episódios de agressividade extrema, um fenômeno popularmente conhecido como “roid rage“. Esse termo se refere a surtos de raiva, irritabilidade intensa e comportamento impulsivo que supostamente acometem usuários de esteroides anabolizantes. Mas até que ponto essa ligação é comprovada pela ciência? A seguir, analisamos essa relação em detalhes.
O que são esteroides anabolizantes androgênicos (EAA)?
Os esteroides anabolizantes são versões sintéticas da testosterona, o principal hormônio sexual masculino. Eles são utilizados com fins médicos para tratar condições como hipogonadismo, anemia e perda de massa muscular em doenças como o HIV/AIDS. No entanto, são amplamente utilizados de forma não médica por atletas e fisiculturistas para aumentar o desempenho esportivo, a massa muscular e reduzir o tempo de recuperação após o treino.
Essas substâncias agem nos receptores androgênicos do organismo, estimulando a síntese proteica e o desenvolvimento de características secundárias masculinas. No entanto, esse estímulo não se restringe aos músculos: ele também afeta o cérebro, o que pode alterar o comportamento emocional e social.
Agressividade e comportamento impulsivo: como os esteroides afetam o cérebro
Estudos científicos vêm demonstrando que o uso de esteroides anabolizantes pode provocar alterações neuroquímicas significativas no cérebro. A testosterona e seus derivados atuam sobre áreas cerebrais como a amígdala e o córtex pré-frontal — regiões associadas à regulação das emoções, ao controle da impulsividade e à avaliação de riscos.
Um aumento anormal dos níveis de andrógenos pode influenciar a produção de neurotransmissores como dopamina e serotonina, que desempenham papel central no equilíbrio emocional. A diminuição da serotonina, por exemplo, está associada a comportamentos agressivos, depressivos e à menor capacidade de autocontrole.
O que diz a ciência sobre o “Roid Rage”?
Apesar dos relatos populares e casos amplamente divulgados na mídia, a ciência ainda não tem um consenso absoluto sobre o “roid rage”. Alguns estudos sugerem que existe sim uma correlação entre o uso excessivo de EAA e o aumento da agressividade. Um estudo publicado no Journal of Clinical Endocrinology & Metabolism concluiu que doses elevadas de testosterona foram associadas a um aumento na irritabilidade e agressividade em indivíduos previamente saudáveis.
No entanto, outros estudos indicam que os efeitos comportamentais variam amplamente entre os usuários. Nem todos os usuários de esteroides experimentam surtos de raiva, o que sugere que fatores como predisposição genética, histórico de saúde mental, ambiente social e uso concomitante de outras substâncias (como álcool, estimulantes ou drogas recreativas) influenciam significativamente os efeitos comportamentais.
Casos extremos e violência: realidade ou exagero?
Há registros de casos extremos em que o uso de esteroides foi relacionado a comportamentos violentos, homicídios, suicídios e abuso doméstico. Em algumas investigações criminais, constatou-se que o acusado fazia uso contínuo de esteroides, levantando a hipótese de que o “roid rage” pode ter contribuído para o desfecho trágico.
Entretanto, a relação causal direta nem sempre é clara. Muitos especialistas argumentam que o estigma em torno dos esteroides pode levar a uma associação automática entre seu uso e atitudes agressivas, mesmo quando outros fatores poderiam explicar melhor o comportamento.
Existe dose segura? Uso clínico x uso recreativo
É importante diferenciar o uso médico de esteroides, feito sob supervisão e em doses controladas, do uso recreativo, geralmente caracterizado por doses muito superiores às indicadas clinicamente. É justamente no uso abusivo e prolongado que os riscos de efeitos colaterais comportamentais aumentam substancialmente.
Usuários que fazem “ciclos” com múltiplos esteroides (prática conhecida como “stacking”) ou que mantêm o uso contínuo sem descanso (“blast and cruise”) estão mais propensos a experimentar efeitos adversos no humor e comportamento.
Sintomas típicos do “Roid Rage”
Quando ocorre, o “roid rage” pode se manifestar com sintomas como:
- Irritabilidade extrema e desproporcional
- Alterações bruscas de humor
- Aumento da agressividade verbal ou física
- Comportamento impulsivo e imprudente
- Intolerância à frustração
- Falta de empatia ou aumento do comportamento hostil
Esses sintomas podem surgir durante o ciclo ativo de uso ou mesmo durante a interrupção abrupta, quando há desequilíbrio hormonal (pós-ciclo).
Tratamento e prevenção
Em casos de dependência ou de efeitos psiquiátricos graves relacionados ao uso de EAA, é recomendável procurar acompanhamento médico e psicológico. O tratamento pode incluir psicoterapia, uso de medicamentos estabilizadores de humor, inibidores seletivos da recaptação de serotonina (ISRS) e terapia de reposição hormonal gradual quando necessário.
A prevenção passa pelo esclarecimento dos riscos reais do uso abusivo de esteroides, especialmente entre jovens e atletas amadores. É essencial desmistificar a ideia de que “mais hormônio é igual a mais resultados”, promovendo uma cultura de saúde baseada em ciência e não em modismos.
Conclusão
A relação entre esteroides anabolizantes e agressividade, embora ainda não seja plenamente compreendida, apresenta evidências suficientes para preocupar. O fenômeno conhecido como “roid rage” é real para algumas pessoas, especialmente em contextos de uso abusivo e descontrolado. No entanto, ele não afeta todos os usuários da mesma forma, o que indica que outros fatores além dos hormonais contribuem para esses comportamentos.
É imprescindível que qualquer pessoa que esteja considerando o uso de esteroides, seja por motivos estéticos ou de performance, compreenda os riscos físicos e mentais envolvidos. A busca por resultados rápidos pode ter consequências sérias e, muitas vezes, irreversíveis.
